Desde o começo de 2013 que o relacionamento da base, e da Câmara Municipal como um todo, com o Executivo foi marcado por vários atritos, inúmeros ao longo do ano. Durante algum tempo, alguns projetos de interesse do executivo municipal ficaram na geladeira, entre eles o empréstimo para construir o BRT, por não se ter certeza da sua aprovação, outros foram derrotados. Os vereadores da base alegavam que estavam insatisfeitos com o tratamento recebido e retaliavam não votando, os da oposição votavam contra porque alegavam que os projetos eram ruins. Nos bastidores membros do governo vazavam que o racha e a rebeldia eram oriundos de interesses não republicanos dos edis, empregos, tratamento diferenciado e etc…
Diante desse impasse que ameaçava travar a gestão, não é de estranhar, que algum membro do executivo municipal, teve a vontade de agradar o prefeito, tendo idealizado que o afastamento dos vereadores traria paz a gestão. Bastaria investigar as relações tortuosas entre os membros do legislativo e o executivo que os fatos falariam por si só. Constrangimento aos vereadores e eles seriam afastados: pelo clamor popular, pela justiça, pela comissão de Ética da Câmara ou por tudo junto. Assim o prefeito recomporia sua base com os suplentes fieis e até traria alguns dos membros da oposição superando os obstáculos à gestão.
Um plano inteligente, porém a situação está muito parecida com a prelação do técnico da seleção brasileira de futebol de 1958, Vicente Feola: “Garrincha, é o seguinte: você pega a bola e dribla o primeiro beque. Quando chegar o segundo, você dribla também. Aí vai até a linha de fundo, cruza forte pra trás, para o Vavá marcar”.
Garrincha, calado enquanto o técnico lhe passava as instruções, falou: “Tudo bem, mas o senhor já combinou isso com os russos?”. Obviamente não temos como saber se algum partidário do prefeito arquitetou a denúncia que deflagrou a Operação Ponto Final. No entanto se realmente tiver as digitais do executivo municipal ao invés de solucionar o problema, agravou-o ainda mais o quadro. Faltou combinar com os russos, pensou-se que a finalização do inquérito policial encerraria o problema. O erro foi esquecer que qualquer pessoa, independente das provas e indícios, só é considerada culpada com o julgamento.
Não estamos dizendo que os dez vereadores sejam totalmente culpados ou inocentes, ou que todos estão envolvidos no suposto esquema com a mesma intensidade. Quem irá inocentá-los ou condená-los é a justiça, após todas as etapas do rito legal. Ainda que os edis não tenham explicado claramente o teor das conversas divulgadas pela mídia, se não foi aquilo que está sendo atribuído, o que foi então? Mas mesmo assim eles só perderão o mandato com a condenação e não com o andamento do inquérito. Ora, se os vereadores só poderão ser cassados após os processos serem transitados e julgados, e com a tradicional lentidão do judiciário é bem provável que a condenação, se houver, só saia quando esta legislatura estiver encerrada. O mensalão do PSDB ainda se arrasta na justiça, sem que os indiciados tenham perdido os seus mandatos.
O que se sabe é que temos uma grande possibilidade de termos uma conflagração aberta entre o legislativo e o executivo nos próximos meses, talvez anos. Uma oposição de dez vereadores com sangue nos olhos, procurando revidar o golpe que acreditam ter sido desferido pela prefeitura. Teremos uma briga de foice no escuro, que paralisara a gestão e a cidade nos próximos três anos. Um exemplo disso nós teremos na próxima terça, com os dez vereadores reassumindo os mandatos, e votando novamente a matéria que os levou a cadeia, o BRT.
E se olharmos para o resto dessa legislatura o futuro não é tranquilizador.
Como ocorrerão as futuras articulações? Quem estará à frente delas? Pois se o dez continuarem a exercer os seus mandatos, os votos deles serão necessários nos projetos que exigirem 2/3, a chamada ampla maioria. Como conseguir esses votos? É por essas e outras que dissemos que faltou combinar com os russos o final da história.
*Mário Benning é analista político e professor