Opinião – Autofagia – por Mário Benning*

Mário Flávio - 18.08.2012 às 10:08h

O processo de autofagia ocorre quando um ser vivo se alimenta de sua própria carne e como conseqüência causa a sua destruição. Na política local vivenciamos, atualmente,  uma disputa autofágica entre as principais lideranças da frente popular pela liderança desse campo de forças, José Queiroz e João Lyra.  Ruptura esta, que levou a fragmentação da aliança e a produção de fogo amigo já no início da gestão, e a ataques deflagrados de ambos os lados.

Tal processo lembra muito uma das principais causas da Primeira Guerra, travada entre 1914-1918, que foi a disputa pela hegemonia na Europa, e por conseqüência do mundo, já que na época o continente europeu era o centro do mundo, entre Inglaterra e a Alemanha. Só que no afã de derrotar o rival, deram condições para a ascensão de duas novas potências que relegaram a Europa, principalmente após a 2ª Guerra, a um papel secundário, os EUA e a URSS.O conflito interno, consumiu por dentro, a própria Europa, causou a sua ruína, numa verdadeira autofagia.

Em Caruaru, hoje temos a disputa de titãs, que no afã de manterem seus espaços de poder na cidade geraram um processo de implosão de uma aliança gestada em 2004.O que está sendo jogado nesse momento não é apenas a eleição atual, mas também o controle do chamado campo das esquerdas em Caruaru, os Lyra ou o grupo de Queiroz? Afinal temos muitos caciques para pouca tribo.

Pois no campo da direita, Tony Gel, conseguiu, de maneira eficaz, até o momento, sufocar qualquer nova liderança que ameaçasse seu controle dessa fatia do eleitorado, apoiando em 2008 uma candidatura sem chances reais de vitória, afastando-se de aliados tradicionais como Reginaldo França e Roberto Liberato que queriam ascender na política local, pois os mesmos  se eleitos constituiriam seus próprios grupos e dariam origem a uma disputa pelo poder.

Até na eleição atual o mesmo pragmatismo pode ser notado. Seria mais fácil a campanha da oposição o lançamento de um nome não tão ligado a Tony Gel, em virtude da rejeição do mesmo, quem sabe Diogo Cantarelli prefeito, com um aliado de Gel como vice, mas assim, Gel correria o risco de ser eclipsado. É melhor perder, mas se manter no controle do que se arriscar a vencer e ser relegado a um plano secundário.

O conflito de João Lyra e José Queiroz passa por essa dimensão, a João interessa preservar o espaço de poder de sua família na cidade, principalmente através de sua herdeira, a deputada Raquel Lyra, e a José Queiroz em garantir, com o poder da máquina, a consagração do seu grupo como líder da frente popular e Wolney como futura e única liderança política das esquerdas.

As relações entre os dois principais líderes da esquerda caruaruense começaram a se deteriorar na posse de Queiroz, que passou a excluir sistematicamente Lyra de sua gestão e procurou inviabilizar a eleição de Raquel, que para ser lançada deputada, forçou a retirada do principal aliado do prefeito e acirrou o conflito interno.

Se as pesquisas estivessem favoráveis, Queiroz teria aproveitado o momento para se desvencilhar de João e esvaziado seu grupo, cooptando os seus aliados. O que equilibrou a balança foi o cargo ocupado por João, que lhe dá uma margem de manobra e visibilidade que se contrapõem a máquina da prefeitura. A publicação da nota por João além de ser marcação de uma posição, onde o mesmo reluta em ser relegado ao limbo da política em Caruaru foi o último passo dessa dança.

O resultado da eleição será o passo decisivo nessa colisão, onde veremos o rearranjo que irá brotar no tabuleiro local. O risco que ambos enfrentam, é que estão tão focados em vencer, em se aniquilar mutuamente, que nesse conflito podem gerar as condições para a emersão de uma nova força que polarizará com o grupo de Gel.

Que nesse conflito fique a lição de Pirro, rei do Épiro, que após vencer os romanos em uma dura batalha, empenhando praticamente todos os seus recursos e sofrendo grandes baixas em seu exército, disse: “Mais uma vitória como esta, e estou e estou perdido.” Daí a expressão vitória de Pirro,uma vitória que custa tanto, que tem o sabor de  uma derrota, e é o que pode acontecer nesse conflito autofágico da frente popular, uma vitória pirríca, para o grupo vencedor

*Mário Benning é professor do IFPE e analista político