
Por mais que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tente transmitir otimismo e controle diante das recentes derrotas no Congresso Nacional, a realidade política tem mostrado o oposto: o modelo de governabilidade que o petista adotou desde seu retorno ao Planalto em 2023 já não condiz mais com a estrutura e os interesses da atual legislatura. A base do chamado “presidencialismo de coalizão” ruiu. O que resta é o improviso de um presidencialismo de ocasião, caro, descoordenado e incapaz de garantir vitórias mínimas no Legislativo.
Os números falam por si. No seu primeiro mandato, em 2003, Lula administrava o país com 30 ministérios e uma coalizão de cinco partidos, além do próprio PT. Em 2007, no início do segundo mandato, o número subiu para 34 pastas, com a inclusão de sete legendas na aliança governista. Já no atual mandato, iniciado em 2023, são 39 ministérios, divididos com dez partidos — e mesmo assim, o governo amarga derrotas sucessivas na Câmara e no Senado, inclusive em votações centrais para sua agenda econômica.
Não é só um problema de números. A essência do modelo foi esvaziada. Em tese, o presidencialismo de coalizão consiste em oferecer participação no governo em troca de apoio estável no Congresso. O problema é que, no formato atual, esse modelo perdeu seu eixo político-ideológico e virou um balcão de negócios desorganizado. Ministérios e cargos foram loteados, mas sem compromisso real com a pauta do governo. A fidelidade dos partidos virou variável de ocasião, negociada no varejo, sob chantagem constante do Centrão.
O governo entrega cargos, amplia a máquina, reserva bilhões em emendas, mas não consegue formar maioria. Falta projeto. Falta liderança no Congresso. E falta articulação política com método. No lugar de um programa que una a base em torno de um propósito, o que se vê é a pulverização da influência do Planalto, sem capacidade de conter nem mesmo derrotas simbólicas — como as da taxação do e-commerce internacional, da reoneração da folha e do IOF.
A verdade é que o modelo lulista de articulação, exitoso nos anos 2000, não resiste mais ao novo Congresso, que é fragmentado, pragmático e moldado por outra lógica de poder. A política mudou, mas Lula parece insistir em uma fórmula exaurida. O resultado é um governo que expande a máquina pública sem conseguir transformá-la em capital político.
Diante de um cenário pré-eleitoral e de uma oposição fortalecida, seguir com esse modelo equivale a caminhar rumo ao isolamento. O governo pode até resistir até 2026, mas, se quiser sair do papel de refém, terá que redefinir urgentemente seu modo de operar. Porque a governabilidade, assim como a política, já virou outra. E o tempo está passando.