A Casa caiu em Caruaru – por Mário Benning*

Mário Flávio - 22.12.2013 às 08:25h

A data 18 de dezembro de 2013 entrará para a história local, como o dia da vergonha, pois nesse dia dez vereadores – praticamente metade da Câmara Municipal – foram presos acusados de concussão, ou seja, utilizar-se do cargo para obter vantagens pessoais.  A casa caiu não apenas pela descoberta desse suposto esquema, mas também porque o pouco de dignidade que ainda restava na Câmara Municipal foi por terra.

Depois de um ano tumultuado, a atual legislatura fechou com chave de ouro. Os problemas começaram logo no início do ano: ao serem cúmplices no desmantelamento da carreira dos professores municipais; seguiram-se cenas de pugilato em seu interior; pronunciamentos na tribuna, tanto da oposição quanto da situação, que beiraram a imbecilidade; além da desfaçatez de exigirem camarotes e vagas especiais para estacionar às custas do erário público. E ainda, entupiram as sessões aprovando requerimentos inúteis ou criando datas comemorativas ridículas, como o Dia do Ouvinte do Rádio.

A prisão apenas confirmou o ditado: “o que começa errado não pode terminar certo”. A razão apontada para esse desfecho vergonhoso foi uma longa operação deflagrada pela Polícia Civil ao longo de quase oito meses. Com direito a escutas telefônicas e câmeras escondidas que levaram ao pedido de prisão preventiva dos edis.

Como o inquérito policial corre em segredo de justiça, e na audiência realizada em Recife, quinta passada, a polícia apenas repetiu as informações dadas na véspera; a não divulgação de novos fatos contribuiu ainda mais para turvar a compreensão do que realmente ocorreu em Caruaru.

Infelizmente, a investigação por si só comprova a falência do nosso sistema de representação política, que permite a montagem de coligações espúrias e o abuso do poder econômico. Fatos que permitem a eleição de indivíduos  que estão apenas interessados em servir-se do que é público e não servir ao público. Agravou o cenário local a montagem dos famosos módulos partidários, que facilitaram a eleição dos donos dos diretórios municipais dos partidos tanto da base quanto da oposição.

Porém desse escândalo surgem alguns fatos que merecem ser apreciados. O primeiro é evitar o linchamento moral a priori dos que estão detidos. Tem-se que aguardar a conclusão do inquérito e o encaminhamento do processo para que saibamos o grau de envolvimento de cada um no esquema desmantelado.

Afinal, já houve erros em outras investigações e jogaram reputações na lama, arrasando carreiras politicas e destruindo vidas. Tivemos o caso do ex-ministro da saúde Alceni Guerra, acusado de superfaturar a compra de bicicletas, o do  Ex-Presidente da Câmara Federal Ibsen Pinheiro, acusado como participante do esquema dos anões do orçamento. E em escala local, o escândalo das sanguessugas que tirou Humberto Costa do segundo turno da eleição para Governador em 2008. Todos inocentados a posteriori, mas que sofreram com a cobertura passional dos escândalos.

A presunção da inocência é um direito de todos, assim cabe-nos esperar o andamento das investigações para que haja a severa punição dos envolvidos e, se por acaso nada se provar contra alguns dos detidos, que os mesmos possam voltar a exercer plenamente os seus mandatos.

O segundo fato é que, embora a Prefeitura negue a sua participação na deflagração da operação, afirmando que apenas colaborou quando foi solicitada pela Polícia Civil, a mesma foi a grande beneficiada com a operação.

Claramente, a operação ajudou a Prefeitura a enquadrar sua base de apoio, demarcando os limites das relações fisiológicas praticadas em Caruaru. A prefeitura sinalizou que só aceita negociar no atacado e não no varejo, se o vereador quiser indicar os diretores das escolas, ou conseguir algum emprego para os seus familiares ou apoiadores, tudo bem. Porém a mesma se recusou a ter que atender a demandas por mais espaço a cada votação importante. As infidelidades e achaques não serão tolerados.

O único senão que resta é a justificativa para apenas monitorar os vereadores. O interessante teria sido que as investigações tivessem sido feitas sem o conhecimento da Prefeitura. Afinal se a Polícia afirma que a razão para deflagrar a operação decorreu dos pronunciamentos públicos dos vereadores sobre a cobrança de propina na tribuna, nos blogs e nas emissoras de rádio; nesses mesmos veículos eles também falavam das pressões dos bastidores do executivo municipal para aprovar as matérias enviadas de última hora. Teria sido mais salutar investigar ambos os lados dessa moeda: o Legislativo e a Prefeitura. E assim, revelar os reais termos dessa relação, e não apenas parte dela.

O terceiro ponto é a possibilidade de uma renovação com a posse dos suplentes. Infelizmente essa possibilidade é mínima. Pois os mesmos já estão preocupados em ocupar os gabinetes e indicar os seus assessores, em cobrar os seus espaços, mesmo que as investigações não estejam concluídas. Trocamos apenas seis por meia dúzia, teremos suplentes atemorizados em assumir o papel do contraditório, pois se associarão imediatamente à prática salutar de serem, por exemplo, oposição com a busca por benefícios pessoais.

A casa caiu em Caruaru, pois não foi erguida em bases sólidas, como em célebre passagem do evangelho, e cabe a todos nós lutarmos para que a mesma seja reconstruída e que passe realmente a ser a Casa do Povo de não de poucos.

*Mario Benning é analista político e professor no IFPE