Já se tornou repetitivo e cansativo, defender a necessidade de uma reforma política no país, almejando o fortalecimento dos partidos e a melhora qualidade da representação no legislativo. Porém nessas eleições essa realidade tornou-se patente e imediata, pois se achávamos que já estávamos no fundo do poço, ficou claro que o buraco é mais embaixo, pois foram expostos de forma explícita todos os vícios do nosso processo político.
Escancarou-se o fisiologismo na montagem das chapas das majoritárias, e as negociações nada republicanas dos tempos de televisão, em todos os níveis de governo e partidos. A infidelidade partidária campeou, com diretórios estaduais e municipais sendo liberados de seguir as decisões da executiva nacional. Foram comuns membros votando contra os candidatos do próprio partido, ou estabelecendo alianças com candidaturas que tem posicionamentos que vão de encontro às ideologias e programas defendidas por sua agremiação.
O que esse quadro de promiscuidade partidária e eleitoral desnudou é que conseguimos com sucesso ressuscitar, e aperfeiçoar a chamada Política dos Governadores da República Velha, 1889 a 1930. Nesse período, os presidentes para conquistarem a tão famosa governabilidade realizavam uma troca de apoio com os governadores. Eles não interferiam nas disputas estaduais, permitindo que os grupos familiares se perpetuassem no poder, desde que os parlamentares do estado apoiassem as matérias de interesse do Governo Federal.
Paralelamente os governadores replicavam o processo com os prefeitos, usavam a máquina estadual para fortalecer as lideranças tradicionais nos municípios. Se as mesmas se comprometessem a entregar os votos da cidade aos candidatos indicados, e se mantivessem fiéis, o seu grupo não seria desalojado do poder. Era um verdadeiro efeito cascata, com a troca de favores indo do nacional ou local, garantindo a perpetuação das oligarquias nos estados e municípios.
O apoio das principais lideranças de Caruaru, primeiro ao candidato Paulo Câmara e agora ao candidato do PSDB, Aécio Neves, é um exemplo real dessa política. O governador entrega os votos e o apoio do estado a um candidato, que se eleito retribuirá com obras e investimentos. E os prefeitos seguem o governador, tais práticas são recorrentes em todo território nacional, independente das cores partidárias.
O alinhamento dos principais grupos políticos da cidade, não foi programático, não foi gratidão, ou reverência à memória de Eduardo Campos, mas foi a materialização dessa política. Está gravado na memória dos nossos políticos, o peso da máquina estadual numa disputa local. Em 2004, Tony Gel fez campanha usando intensamente o apoio do então Governador Jarbas Vasconcelos, já em 2012 foi a vez de Queiroz se valer do engajamento efetivo do Governador Eduardo Campos na campanha municipal., que ajudou e muito a virar a disputa.
Diante desse fato, a conquista do apoio, ou da neutralidade, é o que todos eles almejam de Paulo Câmara. Todos colocaram suas engrenagens políticas para funcionar ao máximo, visando entregar a maior quantidade de votos possíveis, e conquistarem o título de aliado in pectore, do coração, do governador eleito.
A situação lembra quando Henrique de Navarra para assumir o trono francês, em 1593, abandonou a religião protestante e converteu-se ao catolicismo. Não foi uma simples conversão, pois o mesmo era uma das principais lideranças dos protestantes num período de intensos conflitos com os católicos. Porém a perspectiva de se tornar Rei da França, o levou a abandonar suas convicções religiosas para assumir o trono, proferindo a célebre frase: “Paris bem vale uma missa.”
O mesmo vale para aqui em Caruaru para as lideranças locais, se nesse processo suas biografias sairão manchadas, se eles ajudaram a desconstruir a áurea de políticos de esquerda, ou independentes, que tanto propagaram ao longo de suas carreiras é um pequeno detalhe, é um preço muito pequeno a se pagar pela Cadeira de Prefeito de Caruaru.